quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A Cave

A propósito do Dia do Poeta, escrevi este poema que partilho hoje convosco:

A CAVE

Faz de conta
Que na minha linha do horizonte está o Mar...
Que das minhas janelas só se avistam
Reflexos de cores azul turquesa cristalinos a brilhar
Medusas brancas deslizantes
Com insinuações serpenteantes

Golfinhos prateados a chamar...
Seres alados e outros pássaros deslumbrantes
Sereias encantadas a dançar

Ao longe caravelas doiradas que pinto calmamente a navegar
Faz de conta que repouso os meus pés em águas tépidas
E que me entretenho a escrever sem que esteja a divagar...

Faz de conta que as crianças brincam inocentes num farol
Cercado de uma leve espuma branca que percorre o areal
Onde os casais se passeiam sorridentes de mãos dadas
Faz de conta que vida é só para amar e tomar banhos de sol

Faz de conta que as pessoas são personagens boas
De um certo e belo romance de cavalaria
Faz de conta que a vida é uma alegria
Em que me embalo e adormeço feliz, dia após dia

Faz de conta que os pontos negros são somente
Limitações ocasionais e temporárias da Luz
Traços de uma pintura imperfeita  que desmente
Uma sombra escura ou mal esboçada em contraluz

Esfrego os meus óculos cansados e já meio turvos
O que eles observam já não é nitido, já nem reluz
A minha visão amarrada ao sono
Discute com a razão quase acordada
Talvez eu esteja também doente ou alucinada

Faz de conta que os meus olhos são cegos,
Porque se outrora quando iluminada,
Contemplava formusura em quase tudo
Agora sinto que embora ainda lúcidos
Já não discerno beleza em quase nada...

Desanimada, penso na minha atrofia bipolar...
Considero a hipótese de poder ter endoidecido
Que esperteza de disparate é este?...
Afasto-me do sonho...E para me certificar
Que nada mais de errado me possa ter acontecido


Regresso à minha cave com um cuidado meio hesitante
E visualizo a fria falsidade do meu “mar”...
Enfiado numa garrafa vazia de espumante
Residia há muito o meu grito mais lancinante
Inserido noutro contentor de vidro
Jazia o meu gemido mais forte e meio perdido
O choro abominável das minhas maiores desilusões
Rolava no chão caido aos encontrões...


Guardei dentro doutros frascos, outros medos
Os meus mudos soluços jamais ou quase nunca ouvidos...
Escolhi de preferencia os problemas mais complicados
E assim dentro deles, sagaz e perfidamente bem contidos
Aprisionei os pérfidos conteúdos mais agudos e invertidos
Cataloguei os meus mais graves e piores dilemas
E aos mais perversos tapei-os bem com o pó do tempo
Devotei-os todos ao permanente esquecimento...


Durante um tempo estes calaram-se
E foi quase como se nem sequer tivessem existido...
Tranquei o portão por fora e tentei eliminá-los
Aqui nesta cave fétida, humida e semi-secreta
Encerrei os perspicazes pensamentos,
Oculto-os, não falo deles...tento ser discreta
Faz de conta que nem tenho sentimentos...

O tempo passou e alguns secaram efectivamente
Outros nunca se foram total e definitivamente...
E num dia furiosamente turbulento como este,
Agitam-se e amotinam-se indisciplinadamente...

Fartos duma prisão forçada, revoltaram-se
Deitaram por terra os fios das razões que os aprisionaram
Abriram furos nos vidros negros de pó que os silenciaram
Explodiram com a sofreguidão da liberdade
E partiram finalmente as amarras que os confinaram...

Um dia tinha que ser... Mesiricórdia! Pedi eu...
E como se fossem piedosos..
Afogaram-me num só pranto!
Tão imensas quanto intensas
As lágrimas profusas e salgadas
Soltaram-se perigosas pelos poros
Pelos orificios do cerne da minha dor
Aglutinaram-se em ondas tempestuosas de palavras

Tento limpá-las e fazer de conta
Que são meramente águas
Revoltadas e possessas...
Partindo apressadas para o alto mar

E não os rios tintos do sangue invisivel
Que atravessou as feridas do meu interior...
Desvendando todo o meu manto colorido
Nesta poesia negra, muito gasta, rejeitada e rota

Desaguaram neste desalento nefasto que trago sobre mim
Desfazem-me a esperança de poder regressar
Para a cíclica segurança da ilusão Terrena...

Por momentos é como se o que me restasse
Para me manter temporariamente à deriva
Fossem apenas os estilhaços desse vidro frágil...
Ou os pedaços daquelas velhas e usadas rolhas!
Pelas quais até sinto alguma gratidão e ternura
Guardaram-me e protegeram-me por tantos anos
Dos lagos movediços das minhas águas mais profundas
E dos meus oceanos de segredos tão bem escondidos
Que nenhuns olhos por mais brilhantes ousariam revelar...

Faço de conta que nada mais para mim subsiste
Faço de conta que morri...já nada existe
Que terminou esta realidade inacabada
Não desejo a solidão, nem da vida quero nada...


Quero é conseguir sair daqui, depressa!
Desta escuridão de gruta meio submersa
Em que me encontro quando penso e só me afogo,
Porque nada mais me importa do destino demagogo!

E por isso, este é o momento mais do que ideal
O minuto em que me interrogo, medito e grito
Qual é afinal a minha razão de Ser? Todo este Mal? 
Porquê sofrer e em pedaços me quebrar?
E todo este sinuoso percurso que tive que percorrer?
Esta luta diária que ainda travo para sobreviver?
Quisera ser capaz de todo este mistério entender!...

Um dia disseram-me que era tudo por Amor... Pois duvido! 
E mais uma vez, certamente me terão desiludido...
Desespero ao ter que pensar ou ousar sequer acreditar
Que há alguém neste mundo em que ainda posso confiar...

Com um esgar de resignação traço um falso sorriso,
Disfarço a culpa, estendo a mão e minto
Digo que não, que eu não preciso de muito!
Para apaziguar a dor pesada e retraida que deveras sinto...

Pois quando abro as minhas janelas de par em par
O que queria era poder eu própria contemplar
Conseguir vislumbrar nesse horizonte distante,
Alguma graça em todo este esgoto de “mar” triturante


Saber que os meus cacos estão já bem longe, isso sim...
E não ter que os transportar na Cave escura e fria
Que escondo diariamente na poesia 
Que trago dentro de mim...


Luisa De Lancastre Alves
20/10/2016

Dia do Poeta
(Fotos tiradas da Net)











1 comentários:

wawetsekamaaske disse...

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